28 de junho de 2013

Relato sincero sobre nossa realidade


Eu sou da Maré. Nascido na Maré. Sou ponto turístico. Eu não falo o português correto, meus amigos são a corja da sociedade e nenhum deles possui peito de aço. Embora alguns deles tenham armas calibre 88 prontos pra morrer e estejam participando de uma guerra que já dura muito tempo. 
Eu tenho pés, pernas, braços, peito e coração. E ainda tenho que sorrir quando enfrento a multidão. Também sinto saudades, tais como da Joana que morreu após um tiro matar sua única filha chamada Esperança.
Vento e poeira, modo reflexivo. A favela não dorme, é calada, sufocada. Faroeste dos aflitos, veste a farda e tira a fralda, sem querer fui engajado, sem querer me humilharam. E ninguém sabe, e ninguém viu. É o preço que se paga pra não matarem a puta que me pariu.
Todos de preto, usam gandola, burucutu, faca na boca, revólver 38, coturno, algemas descartáveis, munições especiais e 6 carregadores de pistolas, fuzil 7,62 mm, coldres táticos, um bastão retrátil e estão prontos pra guerrear… Pássaro blindado. Dinossauros do futuro. Mosca morta sem pensar.
Ouço tudo pelo telefone celular e a midiahipocrisia insiste em enfatizar que a favela é violenta, foda-se quem mora lá. Me dá um ódio. Me dê um ópio!
Fundo do poço. Quase morro. Comercial.

Tum-tum-tum! Pá! Pum! Pá! Pum! Bláaaa! Bláaaa!
Denunciar? Nem pensar, isso é cultura popular. Então deixa os hômi entrar, pacificar, esculachar e depois virar heróri?! Melhor se demitir, aqui bandido somos nós.
Gentes do morro, tudo enlatado. Nome vulgo, raça do caralho. Os ditos massa. Guerra covarde, terceiro mundo e ainda dizem que é evolução. Tudo é questão de pá e enxada.
Nem Fome Zero, nem Bolsa Família o que me deram foi meia dúzia de balas perdidas. Meu santo forte é de madeira, nem se mexe pra não dar bandeira. Dinheiro curto, trabalho incerto.
E o povo grita, suplica, tenta se organizar. A repressão bate na porta. Mas prometemos que não vamos recuar. Resistiremos. Tipo Romênia. Tipo Colômbia. E que caiam por terra todos os dominadores deste tempo! Por um complexo da Maré livre!
Porque a guerra é armada, a luta conceitual e a batalha não está perdida!
Chega de guerra na Maré quero voltar pro Cabaré!
Mas quem vai me ouvir? Digam aí.
E ó, avisa pra geral: aqui é o cria do Pinheiro!

Por Josinaldo Medeiros, morador da Maré

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