Criminalização da pobreza, crack, Marcha da Maconha e muitos outros temas relacionados à saúde e aos movimentos sociais, você encontra neste bate-papo que foi realizada na noite da última quarta-feira, dia 08 de maio, no Gabinete do Vereador Renato Cinco.
Por Eliano Felix
Colaboração: Thais Cavalcante
O Cidadão: Conte um pouco a história da Marcha da Maconha, quando ela
nasceu e o qual seu objetivo.
R: Primeiramente
gostaria de agradecer a oportunidade de poder falar com os moradores da Maré,
através do Jornal O Cidadão e para todas as pessoas que conhecem esse material.
A Marcha da Maconha surgiu
nos anos 90 nos EUA com o movimento internacional chamado Global Marijuana
March. Com mais de 40 países e 300 cidades que participam do movimento
anualmente. O objetivo da Marcha da Maconha é a legalização da Maconha.
Entendendo que, legalizar é diferente de liberar. A nossa defesa é da
legalização, que é deixar de ser crime e passa a ter regulamentos e normas para
sua utilização, comercialização e produção.
Pessoalmente, a minha principal
motivação para participar do movimento é entender que na verdade não existe uma
guerra as drogas. Porque uma guerra não é feita contra coisas e sim contra
pessoas. E essa guerra é um pretexto para realizar a guerra aos pobres, porque
se houve realmente interesse em combater as drogas o foco central da repressão
deveria ser o mercado financeiro, que faz a lavagem do dinheiro do tráfico e as
fronteiras.
Mas a gente vê aqui no Brasil, por exemplo, o foco da repressão é
nas favelas. E as favelas não produzem drogas, as favelas não produzem armas,
as favelas não ficam com o dinheiro do tráfico. Então na realidade se a gente
analisar sem preconceito, sem tabus, claramente como é que é a ação da polícia
e como é a ação do judiciário, a gente rapidamente percebe que a guerra as
drogas é um pretexto. Que o objetivo é a criminalização da pobreza. Temos que
evitar que a população pobre do Brasil possa se mobilizar e lutar pelos seus
direitos, lutar pelo fim dessa bárbara desigualdade social que temos no nosso
país.
O Cidadão: Somente a Maconha entra nessa discussão?
R: A Marcha da Maconha
ela é uma Marcha de defende a legalização da Maconha. Existe uma questão
concreta que é o seguinte: a ONU calcula que existe mais de 200 milhões de
pessoas no mundo que fazem o uso da Maconha. E isso é um número maior do que a
da população brasileira. Então, no mundo inteiro, pessoas que usam a Maconha
começam a lutar para não serem mais descriminalizadas, não serem mais tratadas
como bandidos.
E é muito semelhante por exemplo, com outros movimentos
identitários que lutam pelos seus direitos: o movimento negro, o movimento das
mulheres, o movimento dos homossexuais. Quem tem uma visão como a minha de que,
a guerra as drogas é um pretexto para a guerra aos pobres, deve participar e
deve apoiar a legalização da Maconha. Até porque grande parte das pessoas que são
presas no Brasil por causa de drogas, são presas portanto ou usando a Maconha.
Claro que, legalizar apenas a Maconha está longe de resolver os problemas, mas
certamente teve um impacto positivo inclusive no desencarceramento de dezenas
de milhares de brasileiros que, hoje estão presos. Ou porque usavam Maconha e
foram acusados de tráfico ou estavam vendendo a planta. O importante é perceber
o seguinte: quanto mais perigosa for a droga, mas importante é que ela esteja
sobe controle e, a única maneira é quando é regulamentação. Quando o Estado
proíbe a Cocaína que é uma droga pesada, não consegue acabar com ela, o que
acontece? Você tem um mercado totalmente descontrolado que, por exemplo,
inventou o crack.
O crack é fruto da proibição da cocaína, porque como a
cocaína é proibida e não é regulamentada, os traficantes acabaram desenvolvendo
uma estratégia para vender cocaína para os mais pobres. Só que o crack é pior
que a cocaína, porque além dela ele tem querosene e várias outras substâncias
nocivas misturadas. Nossa esperança esperança é que a regulamentação da cocaína
acabe com o crack, pois se for regulado o uso da cocaína, não será permitido a
mistura de outras substâncias. Muita gente acha que a defesa da legalização é
uma defesa irresponsável, uma visão de quem só quer se divertir e não está
preocupado com a sociedade e com a saúde das pessoas. Na verdade é muito pelo
contrário: temos o entendimento que a proibição é incapaz de resolver os
problemas provocados pelas drogas, porque você deixa de controlar as drogas e
ainda tem os efeitos de produção, de violência e de corrupção.
O Cidadão: Grande parte da população não é bem informada sobre
diversas questões e, quando se fala em legalização das drogas, as opiniões são
acaloradas e até mesmo extremas. Como esclarecer essa questão delicada?
R: Esse tema é bastante
polêmico porque é um tema tabu. Durante 100 anos, a sociedade só conheceu a
opinião daqueles que defendem a proibição e dos que defendem outra política de
drogas ainda é pouco conhecida da população. Será que nossa sociedade aguenta
mais 10, 20 anos de repetição dos
últimos anos? Olha como a violência cresceu, quanto mais se reprimiu, quanto
mais se tentou estabelecer a proibição, mais violência e mais corrupção tomou
conta da sociedade.
Aliás, dizem que se o Brasil se empenhasse para acabar com
as drogas, elas acabariam. Na verdade basta a gente ver nos EUA, que é um país
onde mais gasta recursos com a proibição das drogas. Hoje os EUA gastam 600
dólares por segundo tentando impedir o tráfico de drogas. E os EUA é hoje o
país mais consumidor de drogas do mundo. O país que mais gasta com a repressão
é o que mais tem o percentual da população que usou drogas ilícitas: 40% já
experimentou drogas ilícitas. A proibição e toda essa repressão fez com que o
país passasse a ter a maior população carcerária do mundo, mais que a China com
2 milhões e meio de presos. E mais da metade estão presos por crimes
relacionados a drogas.
O Cidadão: Como levar o debate sobre a legalização da Maconha pra
dentro das favelas, sendo um lugar em que nós, moradores, temos medo de
discutir o tema já que este é um tema que faz o morador da favela sofrer com a
criminalização da pobreza?
R: Realmente é um
desafio muito grande levar esse debate pra dentro das favelas porque as pessoas
que participam de movimentos sociais nas favelas tem muito medo de organizar um
debate desse tipo e, passar a ser confundido por criminosos e com o próprio
tráfico. Nós, do movimento pela legalização da Maconha (MLM), das instituições
e das entidades que defendem a mudança da política de drogas, a gente busca
muito esse espaço. Eu fico o tempo todo tentando convencer alguma Associação de
Moradores a me receber, mas é uma dificuldade muito grande. E o que é
lamentável, porque se a gente olhar bem, quem é que paga com liberdade e com
sangue essa política? São justamente os moradores das favelas. Os mais
interessados nesse debate deveriam ser os moradores das favelas.
O usuário de
classe média, a gente sabe que ele sofre no máximo um “achaque” da polícia. Ele
não vai ser encarcerado, ser confundido com traficante porque estava usando
drogas. Da mesma maneira um traficante de classe média, não vai pra cadeia. Ele
paga bons advogados, suborna autoridades e dá um jeito nisso. Enquanto o
traficante da favela que não fica com o dinheiro do tráfico, pois a maior parte
do dinheiro do tráfico fica com os grandes traficantes, esses são mortos e
criminalizados todos os dias. Então a gente espera conseguir cada vez mais
convencer as pessoas de que é fundamental enfrentar esse medo, a gente precisa
desmontar uma máquina de matar e de prender.
A guerra as drogas é isso, é uma
máquina que está virada para as nossas favelas. Por exemplo, a questão dos
mandados de busca coletiva que acontece nas favelas quando ocorre as ocupações
policiais e a constituição estabelece que o mandado de busca ele deve ser
individualizado, deve ter endereço determinado ou objeto determinado na busca.
E quando chega nas favelas, muitas vezes o Tribunal de Justiça dá pra Polícia
mandados de busca para toda a favela. Por que fazem isso na favela e não fazem
isso em Copacabana? Claro que nós encontraríamos drogas, armas e traficantes em
bairros de classe média.
Então, é o que falei
acima: o objetivo deles não é combater as drogas e sim manter um massacre
sistemático sobre a população pobre para que ela não possa se erguer e
transformar a nossa realidade. Eu lamento muito essa dificuldade e essa
dificuldade é um dos nossos objetivos.
O Cidadão: A Maré tem hoje uma das maiores “cracolândias” do Rio.
Qual é a política adequada para esses usuários de drogas? Porque a Prefeitura
não trata isso como um assunto de saúde pública, e sim como caso de Polícia.
R: A Prefeitura tem
utilizado o combate ao crack como pretexto para reprimir as populações de rua.
Não há nenhum interesse da Prefeitura em realmente tratar essas pessoas, tanto
que os recolhidos estão sendo colocados em estabelecimentos que não fornecem
tratamento.
No caso de crianças e adolescentes recolhidos já existe um
relatório (entre outros feitos pelo Conselho Regional de Psciologia), os
especialistas na área visitaram junto de outras organizações os abrigos e
concluíram que não há tratamento, que a única medicação dada para as crianças e
adolescentes nessas casas de acolhimento da Prefeitura, são medicamentos
chamados “sossega leão” que, quando eles mostram algum tipo de alteração eles
medicam para as crianças ficarem chapadas e não incomodarem mais. Se a
Prefeitura quisesse realmente combater o problema do abuso de drogas na nossa
cidade, teria que investir na ampliação da rede básica de saúde mental.
Que são
os CAPSAD (Centro de Atenção PscicoSocial e Alcool e outras Drogas), os
consultórios de rua e as políticas de redução de danos. Na verdade, já existe
uma série de normas no país que estabelecem quais são as iniciativas adequadas
que a Prefeitura deveria adotar. Deveria existir hoje no Rio de Janeiro, 32
CAPSAD para atender os usuários problemáticos de drogas. Nós temos apenas 5
CAPSAD, isso porque 2 foram criados recentemente. A Prefeitura não faz o que
deve ser feito e usa a internação compulsória como pretexto para fazer o
recolhimento ilegal dos moradores de rua.
O Cidadão: Alguns países já vivem a realidade da legalização das
drogas. A experiência desses países pode ser trazida para nossa realidade?
R: A gente gasta
milhões investindo na Polícia pra ela enxugar o gelo reprimindo o tráfico. Com
a legalização, a gente poderia economizar o dinheiro que é gasto na repressão e
ainda ter mais recursos através da cobrança de impostos. E esses recursos
novos, esses recursos economizados poderiam ser investidos no que funciona: o
investimento da saúde pública, da informação. As pessoas precisam conhecer as
drogas, saber quais são os perigos da utilização de qualquer uma delas e
precisa ter acesso ao tratamento quando houver necessidade.
O Cidadão: Com a descriminalização da legalização, não existiria a
possibilidade de uma dependência, um uso mais constante?
R: Como a proibição não funciona, hoje qualquer um tem acesso a droga
quando quiser. É o mercado descontrolado, por exemplo, se meu filho de 15 anos
chega em casa bêbado e eu pergunto que vendeu bebida, ligar pra polícia ou ir
no bar mesmo tirar satisfação e reclamar. Mas se ele chega em casa “pancadão”
de cocaína, vou ligar pra polícia e denunciar ou ir na boca de fumo tirar
satisfação?
A sociedade se engana achando que a proibição afasta as pessoas das
drogas. A proibição não funciona. Nem nos presídios de países do primeiro mundo
é possível impedir o tráfico de drogas, quanto mais nas ruas, nas cidades. Falo
dos presídios da Dinamarca, Noruega, Finlândia. É impossível controlar.
Gostaria de afirmar com muita convicção de que a mudança dessa política vai
aumentar o consumo, porque já é fácil. E vemos o efeito contrário, através da
regulamentação a gente criar dificuldades para crianças e adolescentes terem
acesso as drogas.
Existem muitos canais, nosso site é www.marchadamaconha.org e temos esse www.legalizacaodamaconha.org . Pesquisem sobre o
Congresso que aconteceu dias 3, 4 e 5 de Maio em Brasília, com a presença de
especialistas, professores doutores de vários locais do Brasil e o Mundo. Nesse
Congresso a Comunidade Científica se manifestou pela legalização e
regulamentação das drogas. Os vídeos das palestras estão disponíveis para quem
quiser assisti-las: CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE DROGAS 2013.
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