16 de dezembro de 2010

Um dia na favela do Alemão: O que a mídia não mostrou

Por Gizele Martins

Diferente do dia-a-dia de uma favela, que sempre está lotada de gente, com crianças brincando pelas calçadas, alegria e música ao ar livre, trabalhadores e trabalhadoras voltando de seus trabalhos, e estudantes voltando de seus colégios, encontramos nas Favelas do Alemão, pouquíssimas ruas com movimentação. O Alemão é um conjunto de 13 favelas, com aproximadamente 400 mil moradores, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Na verdade, a movimentação que eu e meus amigos fotógrafos encontramos pelas ruas era a forte presença do Exército, da Polícia Civil e Militar. E a “ocupação” ou “invasão” estava desde a pista de entrada das favelas até as casas e lajes dos moradores.

Nas andanças pelas ruas, vielas, becos e naquelas subidas e descidas de ladeiras, o que víamos eram diversas casas com um pequeno aviso na porta: “Por favor, não invada a nossa casa, ela já foi revistada. Se quiser entrar, a chave está ao lado, na casa do vizinho”. O que descreve mesmo num simples papel, o que de fato os moradores daquele local estão sofrendo, a ação violenta da polícia, a invasão da polícia em suas casas.

As ruas, com pouquíssimas pessoas andando, e as portas fechadas também são exemplos de toda esta confusão que sobrevoa aquele conjunto de favelas. A mídia, que faz questão de enfatizar que está tudo em paz, nos mostrou o contrário, que o silêncio daquelas ruas não significava a tal paz. Numa das ladeiras que subíamos, um morador parou a Kombi que estava dirigindo e gritou: “Quero que vocês tirem fotos, filmem o que os policiais estão fazendo nas nossas casas. Eles estão invadindo, agredindo, roubando a gente. Isso eu quero ver sair no jornal, isso vocês não mostram. Isso é uma vergonha!”, disse indignado aquele senhor.

Em idas e vindas, ao invés de encontramos também crianças soltando pipas, famílias reunidas fazendo o seu churrasco na laje ou tomando aquele banho de mangueira, já que estávamos embaixo de um belo sol quente, o que encontrávamos ao olharmos para o alto daquelas lajes eram policiais fortemente armados, com coletes a prova de balas.

Em frente a uma das casas, que meus amigos pararam para fotografar o morro, era uma bela vista, depois de alguns minutos, descobrimos que aquela casa estava com policiais lá dentro, não sabíamos o que eles estavam fazendo lá, mas tinha também uma família ali. Depois de mais ou menos 20 minutos, chega uma senhora querendo entrar, mas a filha não deixa, pede para ela voltar. E neste mesmo instante, daquela pequena casa que parecia ter apenas um cômodo, saem quatro policiais, com fuzis e coletes a prova de balas.

Outro morador, que também não quis se identificar, disse que tem muito medo dos policiais. “Tenho medo dos policiais. Eles gritam, agridem a gente, invadem as nossas casas. Mas, se fizermos isso com eles, tudo vira desacato à autoridade. Por isso, tenho medo deles. Eles podem fazer o que quiserem com a gente. E para quem vamos denunciar se não confiamos em quem nos oprimiu por décadas”, falou.

Para Alan Brum Pinheiros, Coordenador Geral do Instituto Raízes em Movimento, que funciona do local há nove anos, e trabalham com a missão de promover o desenvolvimento humano, social e cultural do Alemão e demais comunidades por meio da participação de atores locais como protagonistas desses processos, tendo como foco o fortalecimento e ampliação do capital social dessas comunidades, é possível comparar a invasão da polícia em 2007 com a invasão de agora. “Em 2007 tivemos o auge da história de opressão na forma de abordagem de respeito da vida humana. Em 2007 foi mais brutal. A de 2010, a que estamos vivendo agora, foi feita a partir de outra expectativa, mas que não foi trabalhada com cuidado. Eles trabalharam com a idéia da inteligência, mas serviu e está servindo apenas para alguns pontos de onde a presença dos comandantes são maiores. Em outras partes das favelas, o desrespeito acontece. Eles não trabalharam com inteligência, por mais que fosse esse o objetivo”, disse.

Segundo Alan, esta nova forma dos policiais entrarem nas favelas, não significa que é porque estão reconhecendo a favela com o olhar de que ali existem cidadãos, pessoas. “Existe a criminalização, a opressão, a falta de respeito com o povo. Exemplo disso, é que em uma das casas invadidas, três meninas que moram sozinhas, foram taxadas de putas, e todos os jovens homens que não tem trabalho formal, ou que estão desempregados, são taxados como suporte do tráfico. Afirmo que houve mudanças pontuais, mas não é uma mudança que deve ser aplaudida”, completou o coordenador.

Foi prometido que daqui a seis meses, todo o Conjunto de Favelas do Alemão, vai ter a presença da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), lembrando que no mesmo dia em que o Governador Sérgio Cabral foi reeleito, ele afirmou que as três maiores favelas do Rio seriam ocupadas pela UPP: a Rocinha, localizada na Zona Sul, o Conjunto de Favelas da Maré e o Conjunto de Favelas do Alemão, ambas localizadas na Zona Norte. A promessa já está sendo cumprida, mas o coordenador Alan, afirma que o nome da própria UPP é contraditório. “A polícia já deveria ser pacificadora. Não se faz nenhum trabalho nessas favelas para acabar com o tráfico. Na Bahia de Guanabara, não tem UPP, porque é lá que as armas e as drogas entram. O tráfico mesmo não foi abalado em nada”, conclui.

No mesmo dia em que o morro foi ocupado pelas forças armadas, a luz, a água e diversas outras coisas passaram a ser legalizadas. “Ele já trouxe alguns prejuízos para os moradores, invasão de casas, moradores roubados. Tínhamos a net gato, mesmo que ilegal, era mais acessível a gente pagar. Não ganhamos nem um salário mínimo. Pagávamos barato, 25 reais e agora temos que deixar de comer um pouco para poder pagar canal de assinatura que custa 50 reais porque a imagem da Tv não pega direito aqui. Isso é uma exploração, veio a paz, mas junto com ela veio a exploração”, contou Diquinho, participante do Conselho Popular do Alemão e coordenador do Jornal “O Guerreiro”, que circula há um ano na favela.

De acordo com Alan, quando a UPP chegar, ela trará com ela a militarização do território e, além disso, a ação mercadológica também. “O Estado não procura os pequenos negócios dentro dessas favelas ocupadas e investem neles. Ele não produz uma economia solidária para o local, o que ajudaria muitos comerciantes. Ocorre o contrário, o deslocamento para outros territórios, outras empresas passam a atuar nestes espaços. E se eles não procurarem a alternativa da economia solidária, tudo, a pobreza vai continuar da forma que está e nada será resolvido. É preciso trabalhar com a ideia do curto, médio e longo prazo. Além disso, há os limites impostos nestes locais que tem UPP, de eventos, de músicas etc”, afirmou Alan.

As incertezas sobre as ocupações são grandes. Moradores vivem anos de opressão, e não querem mais sofrer com qualquer tipo de criminalização da pobreza. Não sabem a quem denunciar tantas violações que estão sofrendo, não confiam em quem os oprimem todos os dias. A mídia espetaculariza os fatos, dando a ideia de que chegou a paz, mas não comentou sobre os abusos que os moradores sofreram e estão sofrendo. Não questiona a entrada da polícia dentro das casas desses moradores, não questiona se a UPP resolve o problema do tráfico, já que não é dentro da favela que os financiadores estão.

3 comentários:

  1. Esses dias, ouvindo a bandnews pela manhã (o programa do Ricardo Boechat) um morador foi entrevistado no ar e disse o contrário: que agora eles podiam brincar nas ruas e que sua mulher, que tinha medo de sair de casa por pânico, o esperava na porta de casa.

    Você traz outra versão e isso é muito bom. É bom pra gente não ficar muito confortável achando que a verdade é uma só. Neste caso do alemão, tratam o Complexo (que o nome já diz está longe de ser simples) como um lugar pequeno e específico. E falam (na grande mídia) como se uma só ação fosse capaz de resolver todos os problemas. Aos poucos, as notícias vão sumindo. O amor pelo Complexo que se vê no twitter, facebook, imprensa, vai minguando...aos poucos as coisas vão voltando ao normal. E esse é aquele problema de sempre que nunca se resolve: o normal nunca é bom pra quem fica na favela (suponho, vendo aqui de longe do frio finlandês).

    Boa matéria. Boa alternativa de informação.
    Leonardo (Universidade de Tampere, Finlândia).

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  2. Caros, sou morador do Complexo, mais especificamente, moro na Grota. Embora minha casa não tenha sido invadida nem a casa de nenhum dos meus vizinhos tenha sofrido qualquer tipo de invasão, acho bastante provável que muitos moradores trabalhadores realmente tenham sofrido agressões por parte dos policiais, dado o histórico de atuação da policia no Alemão.

    Contudo, pelo menos na Grota, a questão de haver ruas e vielas vazias não corresponde à realidade. Na verdade, com toda sinceridade, as ruas estão bem mais movimentadas agora. É claro que o fluxo de veículos diminui bastante, principalmente das motos que chegavam ao ponto de atropelar idosos sem socorrê-los. Agora, só que tem documento pode circular em veículos. Com toda sinceridade, não aplaudo a operação em sua totalidade, não estou tão otimista quanto a grande mídia quer que eu esteja, mas não dá para comparar a melhora em termos de qualidade de vida após a operação. Realmente houve uma troca de poder militar. Realmente nos deparamos com soldados armados a todo o tempo. Mas uma realidade muito pior era presente todos os dias antes da ocupação militar. Um envolvimento sócio-cultural da comunidade é de extrema importância a partir de agora (o que alguns chamam de "ocupação social do estado").

    Boa matéria, mas, na minha opinião, com algumas informações que não correspondem à verdade.

    Wallace (COPPE/UFRJ)

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  3. Interessante os comentários. Lidos após a matéria, permitem o contraponto, coisa rara, ou inexistente na mídia convencional. Fui repórter e sei as pressões a que um profissional é submetido: de omissão de informações, de relaxamento à integridade física, entre outras. E não me digam que isto é mentira. Vivi tal experiência, sei perfeitamente como funciona.
    Ridículo é ver um apresentador, destes programas que se dizem de jornalismo, ficar excitado, quase sexualmente, ao narrar operações militares, não parece jornalismo e sim um serviço institucional de Relações Públicas (quem sabe?).

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