20 de julho de 2010

Entrevista com ex-senador Geraldo da Silva

Por Gizele Martins
Retirado do Boletim NPC

Ex-senador Geraldo da Silva fala sobre sua vida e a história dos movimentos sociais do país


“Eu sou um soldado a serviço dos movimentos sociais”. Foi assim que o militante e ex-Senador da República Geraldo Candido da Silva, de 69 anos, terminou esta entrevista. Morador de Piedade, Zona Norte do Rio, pai de três filhos, o Senhor Geraldo, nascido no interior do Rio Grande do Norte, município de Pedro Velho, resolveu pegar a estrada ainda cedo para procurar emprego como muitos moradores do norte e nordeste do Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro com os seus dezoito anos, e logo descobriu que os problemas da “Cidade Maravilhosa” eram os mesmos que os da sua. Ele logo se envolveu na luta dos trabalhadores: participou de greves, atuou contra a Ditadura Militar, passou por sindicatos, partidos políticos, já foi senador e hoje é parte desta história. Confira abaixo os detalhes sobre a história de vida deste militante que se mistura à vida da classe trabalhadora deste país.



1. Quando e o que levou o senhor a participar dos movimentos sociais?
A minha primeira participação no movimento social foi numa greve na fábrica onde trabalhei em 1962. Quando a empresa entrou em greve, o delegado sindical procurou pessoas que estivessem dispostas a fazer piquetes. Me apresentei como voluntário. Lembro que eu não tinha muita noção do que era isso ainda. Fui para o piquete, para as assembléias no sindicato, mas como sempre acontece, depois da greve fui mandado embora. Foi quando despertei para a luta. Questionei: o trabalhador faz greve para exigir os seus direitos e depois é demitido? Depois disso, percebi que essa não era uma sociedade justa, e que era preciso lutar contra isso. Comecei a conversar, a discutir com outras pessoas. Li um jornal chamado Voz Operária, o que me ajudou muito na época. Depois, quando entrei para o colégio, militei com os estudantes e segui com os movimentos. Acredito que o que o que abre a mente para a descoberta de tudo isso é a leitura, os estudos. Os autores marxistas me ajudaram muito. É isso: o que me levou para o movimento foi a necessidade e a leitura, tenho certeza disso!

2. Fale de algumas das principais lutas dos trabalhadores na história do país?
- Comício da Central: A nossa grande experiência de mobilização antes do Golpe Militar de 1964 foi no Comício do dia 13 de março na Central do Brasil, que reuniu aproximadamente 500 mil pessoas. Os sindicatos e o comando geral dos trabalhadores organizaram caravanas de trabalhadores, principalmente da Petrobrás. Vários ônibus vieram, e todos com uniformes de trabalho, vestidos como se estivessem trabalhando e cada um carregando uma tocha acessa. Lembro que pela Avenida Presidente Vargas havia filas imensas de trabalhadores, todos com uniformes e capacetes. A direita nesta época já estava se preparando para o Golpe, e ficaram muito assustados com toda aquela mobilização. E no dia 31 de março eles deram o golpe.

- Golpe civil-militar: Neste dia (31/03) as várias organizações, sindicatos rurais e urbanos tinham organizado grupos de pessoas que estariam em locais estratégicos para receberem armas e enfrentar o Golpe. Mas as armas não vieram. Esse foi o problema: os dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que prometeram conseguir as armas não trouxeram. Não sei se foi por covardia, ou por medo, mas foi uma decepção total porque o povo estava disposto a enfrentar. João Goulart, por exemplo, saiu do país, e disse que não queria ver um derramamento de sangue. Ele evitou isso naquela época, mas a violência depois foi muito pior porque durou mais de vinte anos. O Regime Militar prendeu, torturou e assassinou milhares de trabalhadores, estudantes, dirigentes sindicais e sindicalistas no Brasil. Até hoje muitos estão desaparecidos, não sabemos o número exato de mortos.

- Passeata dos Cem Mil: Em 1968 ocorreu na Av. Rio Branco a passeata dos Cem Mil contra as arbitrariedades do Governo. Depois disso, o confronto passou a ser mais direto. No final daquele ano foi ainda decretado o ato mais autoritário: o AI-5. Uma parte significativa do movimento estudantil, dos jovens ligados a outros movimentos sociais também se juntaram e começaram querer a opção da luta armada contra a ditadura militar, que foi um longo período de enfrentamento.

- Greve do ABC: Em 1978 tivemos a greve do ABC. Nós vendíamos bônus para sustentá-la, e a maioria dos sindicatos e movimentos se mobilizaram para nos ajudar. Em 79 a greve se repetiu, a Ditadura não aceitou mais as greves e Luis Inácio Lula da Silva foi cassado e preso.

3. Quais eram as propostas apresentadas pelos movimentos sociais que enfrentavam a Ditadura Militar?
O que queríamos era a reforma de base, a reforma agrária, educacional, tributária, bancária, urbana, dentre outras. Era isso que precisava ser feito naquela época, e precisa ainda hoje. Um exemplo disso é a reforma agrária que ainda não foi feita. A nossa luta era por achar que podíamos ter um governo popular. Não precisava ser socialista pois o socialismo seria um processo, mas não conseguimos isso.

4. Quais eram os espaços de luta? E Quais foram os maiores problemas enfrentados pelos sindicatos naquela época?
Do ponto de vista da classe operária teve um problema sério, porque o Governo Militar decretou, nomeou os interventores dos sindicatos, e eles perderam a liberdade e a autonomia. Com isso os sindicatos viraram instrumentos nas mãos da ditadura, porque os verdadeiros interventores estavam afastados, presos, exilados, ou mortos, torturados. Mesmo com os problemas dos movimentos operários, eles nunca deixaram de existir, apenas passaram a participar de forma mais cautelosa.

As oposições sindicais trabalhavam muito nas comunidades, nas associações de moradores de favelas, principalmente, porque lá a gente tinha espaço para trabalhar, para discutir com os companheiros, para fazer reuniões, e muitos militantes do movimento saíram de lá. Por volta dos anos 70 houve algumas greves: teve o movimento de Contagem (MG), teve a greve em São Paulo numa metalúrgica em 68... Foram muitos movimentos espalhados, não muito grandes, mas eles estavam acontecendo e de forma clandestina.

Nessa época, atuávamos nesses movimentos e também nas pastorais das igrejas católicas. Tinha a pastoral de favelas, a pastoral do trabalhador, a pastoral da juventude. Nessas organizações a gente aproveitava para conversar com as pessoas, os trabalhadores, e incentivar lutar pelos seus direitos. Era nas igrejas que fazíamos as reuniões do movimento popular daquele período, porque o local era menos suspeito. Nós fazíamos reunião até nas sacristias, alguns padres não apoiavam, mas a gente acabou descobrindo um grupo de padres simpatizantes dos movimentos sociais, que nos ajudaram muito. Sem dúvida esses foram locais importantes na luta contra a ditadura.

5. Quando surgiu o Partido dos Trabalhadores? Quais as suas propostas?
Já visualizando o fim da Ditadura Militar começamos a discutir a importância de se criar um Partido dos Trabalhadores (PT). Essa ideia foi lançada em 1º de Maio de 1979 pelo atual presidente Lula, o que foi uma novidade, porque ele não era favorável a partidos. Naquele momento era necessário ter uma organização mais forte e envolvida com a luta da sociedade, não apenas com os sindicatos. Nós precisávamos mesmo de uma proposta mais avançada, porque nosso movimento era muito corporativo. Acho até que ele percebeu essa importância depois que foi preso.

(Esta é a primeira parte da entrevista, a segunda parte entrará no blog na semana quem vem)

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