17 de junho de 2010

Cegueira mortal na Maré

Por Renata Souza
Foto Marcelo Teobaldo


Disparar tiros de fuzil contra uma barbearia cheia de gente no Complexo da Maré foi a última ação policial dos PMs do 22° Batalhão de Polícia Militar (BPM-Maré). Foi nesta sexta-feira (11/06). Morreram um trabalhador, um estudante, e várias pessoas ficaram feridas, inclusive uma criança de 5 anos. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj recebeu os familiares das vítimas nesta segunda-feira (14/06) e encaminhou o caso para a Defensoria Pública e o Ministério Público.

De acordo com testemunhas, que decidiram manter o anonimato por medo de represália, cinco policiais, escondidos na laje de uma casa da Nova Holanda em frente à barbearia, dispararam os tiros contra os fregueses e o dono da barbearia. Morreram o estudante Davison Evangelista Pacheco, de 19 anos, e o frentista Paulo Cardoso Batalha, 47. O filho do frentista, Gabriel, de cinco, foi ferido no dedo e passou por uma cirurgia. O dono do estabelecimento, Alessandro Oliveira do Nascimento, 25, está internado em estado grave no CTI do Hospital Geral de Bonsucesso e a sua família teme por sua vida, já que é testemunha. Outras pessoas também foram atingidas como Rodson Soares Gomes, 22 anos, que foi ferido na cabeça e ainda está internado e Gilberto dos Anjos, 35 anos, baleado nas costas, mas já está em casa. Leia mais ...
A versão “oficial”, apresentada à imprensa pelo comandante do 22º BPM, tenente-coronel Gláucio Moreira, dá conta de um suposto confronto. “Os PMs que participaram do tiroteio, por precaução, vou afastar da rua. Não quer dizer que estou punindo, mas sim preservando a integridade deles”, afirmou o comandante do batalhão da Maré em entrevista ao G1. Tal fala perpetua a ideia de guerra encampada pela política de segurança do estado, na qual a vida que estiver pela frente, ou dentro de uma barbearia da favela, poderá ser retirada sem qualquer ônus ou mesmo responsabilização jurídica para quem a retirou. Esse tipo de argumento tem legitimado e tornado como regra a impunidade de policiais exterminadores. No caso, os óbitos e a maioria dos feridos apresentam tiros na cabeça. Isso deixa clara a cegueira institucional, e proposital, dos órgãos de segurança pública que tem como sinal de produtividade o índice crescente de mortos nas favelas.


A família

Diante dos relatos dos familiares, a Comissão de Direitos Humanos encaminhou um ofício para o 22ª BPM solicitando informações sobre em que condições se deu a incursão. No documento, há ainda o pedido de esclarecimento sobre o porquê da não entrega das armas utilizadas pelos policiais à perícia. A comissão também está em contato direto com os inspetores que investigam o caso na Delegacia de Homicídios. Os familiares, visivelmente desestruturados emocionalmente, foram encaminhados para atendimento psicossocial no Centro de Atendimento a Vítimas de Violência.


Há vida na Maré

Para se ter ideia de como este tipo de incursão irresponsável afeta o cotidiano dos moradores de favelas, a peça em cartaz na Casa de Artes da Maré, que fica na mesma rua da barbearia, Rua Bittencourt Sampaio, foi adiada. A temporada da Cia Marginal, com o espetáculo “Qual é a nossa cara?”, que narra justamente as histórias de luta, resistência e sobrevivência dos moradores da Nova Holanda foi estendida até este fim de semana.

Enquanto a favela não for entendida, respeitada e administrada como um local onde há pessoas que, acima de tudo, criam e recriam novas possibilidades para resolver seus problemas diários, será impossível uma política de segurança que priorize a vida. O olhar de fora a identifica como o lugar da falta, mas o olhar de dentro sempre identificou o seu caráter de vida e sobrevida, o que a torna uma fonte qualificada de estudos para resoluções simples de problemas como moradia e educação. É uma questão de olhar e prioridade na formulação de políticas públicas que priorizem o que a favela tem a oferecer. Chega de cegueira.

Um comentário:

  1. Cegueira nada Renata. Tá todo mundo vendo. Só que a repressão é tão grande que as pessoas ficam caladas. São pra lá de 100 mil pessoas vivendo dentro de um cubículo chamado, indevidamente, de favela. Vendo e vivendo num mundo paralelo onde o que prevalece é a lei do mais forte... Em fim. Belo texto. Fico muito feliz por ter mais pessoas soltando a voz dentro da nossa comunidade. Precisamos nos encontrar...

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