21 de maio de 2010

Mais um muro de esconder pobre


Roda de Funk da Maré

Alegando criar “barreiras acústicas” para proteger comunidades do som dos carros, Prefeitura está construindo um muro nas rodovias que cercam o Complexo da Maré

Matéria originalmente publicada no site Brasil de Fato. Por Leandro Uchoas (RJ)


“O que você faria com R$ 20 milhões?”. Assim começa um vídeo produzido por jovens moradores do Complexo da Maré. À pergunta, seguem respostas de habitantes das 16 favelas do complexo, defendendo investimento nas mais diversas demandas da região, uma das mais pobres do Rio de Janeiro. Infra-estrutura, restauração ambiental, esporte, educação. São muitas as necessidades do bairro.

No entanto, esses milhões de reais estariam sendo gastos na construção de muros para cercar por todos os lados as comunidades. Chamado na região de “Muro da Vergonha”, ele está sendo levantado desde novembro, em parceria com a Lamsa, empresa que administra a Linha Amarela (rodovia do Rio de Janeiro). A Linha Vermelha também está recebendo as obras. Cerca de 520 mil veículos circulam diariamente pelas vias.

O governo municipal chama os 7,6 quilômetros de muro a ser construídos de “barreiras acústicas”. Módulos de 38 metros de comprimento por três de altura já estão sendo instalados. A Prefeitura afirma que o objetivo principal é proteger as favelas do barulho dos carros. O prefeito Eduardo Paes (PMDB) chegou a afirmar que era um absurdo “apenas a classe média ter barreiras acústicas”, sem explicar onde elas existem.

Contudo, o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, chegou a referir-se ao projeto como política pública de combate à violência e admitiu ter pedido ao prefeito a implantação do muro na Linha Vermelha. No vídeo – produzido pelo engajado bloco carnavalesco Se Benze Que Dá –, chama a atenção o momento em que um morador cai na gargalhada ao saber que o muro é denominado de barreira acústica.

No dia 8, os moradores da Maré fizeram um ato de repúdio à construção do muro. Organizado pelo Se Benze Que Dá, reuniu cerca de 400 pessoas na praça principal da favela Nova Holanda. Após um show dos músicos da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) e da exibição do vídeo, os moradores discursaram. “A favela tem que ser vista como parte da cidade. Não tem porque segregar”, disse Gizele Martins, editora do principal jornal mareense, O Cidadão. Renata Souza, do mesmo jornal, pregou a união dos meios de comunicação do Complexo no enfrentamento do problema.

Os moradores alegam não terem sido ouvidos para a instalação do muro. Teriam recebido a notícia pela imprensa. Entretanto, recentemente, a prefeitura e a Lamsa chegaram a conversar com algumas associações de moradores do complexo de favelas. “A Lamsa trouxe outro discurso às comunidades. Em troca da construção do muro, prometeram investir em atividades culturais na Maré por dez anos. Quem quiser pode inscrever projeto que ganha dinheiro. Então, dizem que a população apoia, mas na verdade a população foi comprada”, denuncia Jandra Nobre, fundadora do Se Benze Que Dá. Existem mais de cem ONGs em atividade na Maré.

Sede de competições - A instalação do muro tem sido vista como parte dos projetos de preparação da cidade para a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A Linha Vermelha é o principal acesso ao Aeroporto Tom Jobim, de onde chegarão os turistas de voos internacionais. Ter à vista, como primeira paisagem, o cenário de pobreza do Complexo da Maré poderia interferir na imagem da cidade. Não por acaso, as barreiras mostram, pintadas, as curvas famosas do Rio de Janeiro. As formas do Pão de Açúcar e dos morros Dois Irmãos, por exemplo, estão desenhadas em vários dos pequenos blocos do muro. “Eles usam essas imagens para nos esconder”, protesta Anísio Borba, responsável pelo site do bloco.

Em 2004, houve tentativa semelhante de murar os acessos às rodovias pelas favelas. Um projeto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) visava a construção. As comunidades se mobilizaram, lideradas pela Rede Maré Jovem, hoje inexistente, e conseguiram derrubar a proposta. “Agora eles trazem de volta, com nova roupagem. Chamam de barreira acústica para ter argumento. Querem segregar a Maré. A gente não precisa de muro”, afirma Jandra. Luiz Paulo Conde, secretário Municipal de Meio-ambiente em 2004, também teria apresentado projeto semelhante.

Carta aberta - Durante o ato, os moradores lançaram a “Carta aberta contra os muros nas favelas cariocas”. O texto faz conexão entre a construção do muro e a política de segurança do governo estadual. Em um trecho, diz que existe uma “incontestável associação desses territórios (favelas) com a criminalidade, a ilegalidade e a pobreza que orientam a formulação de políticas públicas e o discurso das mídias empresariais. São exemplos desse processo de marginalização a remoção de favelas, a criminalização do funk e a ação policial violenta”.

Presidente da Apafunk, MC Leonardo afirmou, durante o ato, que “esse modo de segregação não está em andamento apenas na Maré”. Há um ano, estão em construção em algumas comunidades do Rio de Janeiro onze quilômetros de muros, com o suposto objetivo de conter a expansão rumo à Mata Atlântica. O projeto enfrentou fortes resistências, chegando a ser criticado por José Saramago em seu blog pessoal. Mas prosseguiu. Foram disponibilizados para o projeto R$ 40 milhões. Os muros são oficialmente chamados de “ecolimites”. Das treze favelas contempladas, onze ficam na Zona Sul, região rica da cidade. Favelas que sequer cresceram nos últimos dez anos foram contempladas pela medida. Na época da instalação, o Instituto Pereira Passos (IPP) divulgou dados revelando que as comunidades contempladas tinham índice de expansão significativamente menor do que a média do estado.

www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=6&i=6775

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