Leia abaixo o pronunciamento do Deputado Federal Chico Alencar (PSOL/RJ), feito no plenário do Congresso Nacional, no dia 23, em Brasília:
"Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados e todo(a)s o(a)s que assistem a esta sessão ou nela trabalham:
Os 140 mil moradores das 16 comunidades do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, pedem paz! Fazem já 3 meses que essa população sofre com um “toque de recolher” e com tiroteios nas ruas a qualquer dia ou hora.
Situadas entre a Avenida Brasil, Linha Vermelha e a Linha Amarela, às margens da Baía de Guanabara, as comunidades da Maré – Marcílio Dias, Praia de Ramos, Roquete Pinto, Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Pinheiros, Vila dos Pinheiros, Novo Pinheiros, Vila do João e Conjunto Esperança – têm sua origem no início das décadas de 30 e 40 do século passado, com a chegada dos primeiros moradores ao Morro do Timbau.
Na manhã deste domingo (20/09/09), estive presente ao ato público “Outra Maré é possível”, que reuniu cerca de 600 pessoas na Vila do João. Organizada por entidades locais, houve uma caminhada pelas ruas da região, apresentação de grupos culturais, programação infantil e participação do bloco “Se benze que dá”. O objetivo foi protestar contra a violência, que desde junho ali recrudesceu, gerando a matança de dezenas de pessoas, além de muitos feridos. A violência está sem controle e governantes ignoram os fatos. A partir do ato deste domingo, foi criado um movimento por “outra” segurança pública, que assegure os direitos dos moradores da região.
O padre João Carlos, da paróquia São José Operário, afirma que há três meses suspendeu as missas noturnas, devido à falta de fiéis: “cancelei as celebrações à noite. Outras celebrações, nas quais reuníamos de 400 a 500 pessoas, hoje mal recebem 100 pessoas. A igreja está toda furada por tiros. É uma guerra sem fim e sem hora que, por incrível que pareça, às vezes tem seu pico nas manhãs de sábado”. O religioso afirma que faltam ações de políticas públicas, assim como diz ser necessária a união das entidades e da população para conquista de melhores condições que resultem em paz.
Percorremos da Vila do João ao Conjunto Esperança. O clamor popular se manifestou em frases como: “Queremos nossas crianças brincando nas ruas e nas escolas”; “Queremos liberdade para poder chegar e sair de casa a qualquer hora”; “Não queremos mais corpos no asfalto”; “Não queremos nossas escolas vazias”; “Não queremos nossas casas invadidas”; “Não queremos nossa comunidade às escuras”; “Não queremos nenhum tipo de violência” e “Queremos a vida do povo da Maré respeitada antes de tudo”. Outra palavra de ordem repetida foi “Não, não, não! Não quero caveirão: quero meu dinheiro em saúde e educação!”
Caminhamos pisando em cápsulas de balas detonadas! E vimos, nessa manhã dominical de rara paz na Maré, a violência sutil da mídia grande, que se autoproclama tão democrática, mas não enviou um só repórter para cobrir o importante evento: de fato, a dor do pobre não sai no jornal. Só lembraram que a violência na Maré existe quando um ônibus, no dia seguinte (21/09/09), foi assaltado, levado para dentro da comunidade e queimado.
Menos mal que no ato público de domingo, muitos jovens jornalistas, idealistas, lá estavam, produzindo releases, inserindo notícias nos sites alternativos, tirando fotos...
Outra violência silenciosa é a omissão covarde das autoridades. De parlamentares que, na sua maioria, só aparecem na época eleitoral. De membros do Poder Executivo, do Poder Judiciário, do Ministério Público, alheios à "guerra" letal que já matou, nos últimos dois meses, 20 pessoas!
Quando exercia mandato de deputado estadual, fizemos muitos debates e questionamentos sobre a instalação de um Batalhão da Polícia Militar no Complexo da Maré, às margens da Linha Vermelha. Pois o Batalhão está lá, com 700 policiais, construído de costas para a comunidade. Incapaz, até agora, de planejar uma "ação pacificadora" efetiva, indisposto a dialogar com a comunidade e reconhecer suas potencialidades para superar, com o seu apoio e baseado em políticas públicas sérias e continuadas, essa desgraça, com vidas ameaçadas permanentemente.
Será que o povo pobre e sofrido da Maré não merece sequer o mínimo que algumas poucas outras comunidades agora recebem, por não poder ser emblematizado como "cartão postal" eleitoral? Isso não pode continuar!
Agradeço a atenção!"
Sala das Sessões, 23 de setembro de 2009.
Chico Alencar
Deputado Federal, PSOL/RJ
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